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sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

Por uma democracia religiosa


Publicamos agora o trecho de uma entrevista concedida em 2010 pelo intelectual iraniano Abdolkarim Soroush, tendo como tema o secularismo. Crítico do regime teocrático do Irã, Soroush defende um Estado laico onde as diversas religiões possam coexistir. A íntegra da entrevista, com outras opiniões do pensador, pode ser lida através do link indicado no final do post.

Secularismo político versus secularismo filosófico

Pergunta: Dr. Soroush, você disse que, falando do ponto de vista político, você é um secularista. E o ponto crucial da discussão parece ser a separação entre Estado e religião. Qual é exatamente a polêmica entre os intelectuais?

Resposta: Na verdade, não há polêmica. Talvez algumas pessoas queiram polemizar. É justamente por causa disso que levantei a questão do "secularismo político" contra o "secularismo filosófico", de modo que as coisas fiquem mais esclarecidas. Assim, as pessoas poderão entender em que sentido nós somos secularistas, e em que sentido nós não somos.

O problema levantado, especialmente entre os iranianos expatriados, é que muitas das pessoas que se dizem secularistas também são secularistas no sentido religioso. Ou seja, não acreditam em espiritualidade e religião. É claro que eles são livres para ser assim. Mas quando eles falam em defesa do secularismo, o secularismo soa terrível para os demais iranianos. Isto é, eles acabam pensando que defender o secularismo significa abandonar suas crenças e religiosidade. Esse erro precisa ser corrigido.

P: Então você pretende corrigir esse erro?

R: Sim, é o que eu quero. Explico: há dois tipos de secularismo. Evidentemente, é preciso abrir um parêntese para lembrar que secularismo é um tema muito sutil e complicado. Não importa o quanto falamos a respeito, sempre haverá coisas a dizer. Eu trabalho com o secularismo como um especialista. Discuto o assunto com os maiores estudiosos na área. Justamente por isso considero que é difícil falar sobre secularismo e que muitas coisas simplistas ditas pelas pessoas são perigosas.

Diante desses problemas e ambiguidades, digo que podemos concordar pelo menos com uma coisa, qual seja: a distinção entre secularismo político e o secularismo em termos religiosos. Nós não discutiremos com ninguém sobre o secularismo religioso, por mais que possamos ter discordâncias. Afinal, todos são livres para ter suas próprias crenças. Mas podemos concordar sobre o secularismo político, ou, para usar o termo que cunhei, um "Estado pós-teocrático" ou um "Estado não-teocrático", significando um Estado que transcende a religião ou, efetivamente falando, um Estado que transcende a fiqh [jurisprudência islâmica]. Seria um Estado que considera todas as religiões de forma imparcial. Um Estado que não daria tratamento diferenciado aos seguidores de nenhuma religião em específico. Um Estado que reconheceria oficialmente o pluralismo político e religioso. Um Estado que aplicaria a lei igualmente para todos e que operaria na base de que todos têm direitos iguais. É isso o que "secularismo político" significa e acredito que podemos concordar sobre ele.

Como expliquei em uma entrevista anterior [intitulada "Deveríamos realizar um referendo no Irã"], com o secularismo político de um Estado não-teocrático, indivíduos crentes e religiosos terão suas religiões e crenças garantidas e protegidas, e jamais sofreriam ataques do Estado.

P: Por quê? Em Estados democráticos é mais fácil alcançar essa meta? Em tais países, a religião é separada do Estado e, se estiver dentro dos limites da lei, a fé dos indivíduos não é atacada. Por que é necessário reafirmar tais garantias?

R: É preciso reafirmar essas garantias porque as pessoas religiosas do Irã podem fugir da democracia e do secularismo, pensando que são coisas que rejeitam ou que se opõem à religiosidade. Portanto, é preciso explicar que o secularismo político e a democracia religiosa não irão ferir a crença ou a religião de ninguém. É muito importante passar essa mensagem.

De fato, na entrevista anterior eu enviei uma mensagem a dois grupos distintos de pessoas. Apesar de boa, parece que a mensagem não foi recebida. Por um lado, eu digo às pessoas religiosas que a democracia e o secularismo político não irão ferir sua religião e preceitos religiosos. Por outro, eu digo às pessoas não-religiosas que, com o advento de uma democracia religiosa, seu credo político também não será ferido. Em outras palavras, todos poderemos ter uma convivência pacífica sob um sistema democrático.


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